A cassação de Jackson Lago: A História que não foi contada

Luiz Pedro

Na noite do dia 16 de abril de 2009, eu fazia parte da multidão que acompanhava por um telão a sessão plenária do Supremo Tribunal Federal (STF) que decidiria pela cassação do governador Jackson Lago. Antes, na madrugada de 04 de abril do mesmo ano, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) já havia decidido pela cassação de Lago e de seu vice, Luís Carlos Porto, determinando, ainda, que deveria assumir o governo do Maranhão a então senadora Roseana Sarney, segunda colocada nas eleições de 2006.

O STF julgava em caráter terminativo o RCED 671 (Recurso Contra a Expedição de Diploma), que já havia passado pelo julgamento do TSE. O ministro aposentado do STF Francisco Rezek era o principal advogado de defesa do governador maranhense e, no memorial que apresentou à Suprema Corte, sustentou que o pedido de cassação de Jackson seria “uma tentativa de golpe de Estado pela via judiciária”.

Àquela época ainda não se utilizava o termo lawfare, que só seria popularizado no Brasil mais adiante! Empossado em 1° de janeiro de 2007, o governo de Jackson Lago durou dois anos, três meses e 16 dias, como o mandatário deposto gostava de denunciar em seus discursos, a partir de então.

Os antecedentes do processo que vitimou Jackson devem ser procurados antes mesmo do pleito de 2006. Naquele ano, em aberto conflito com o grupo Sarney, o governador José Reinaldo Tavares decidiu permanecer no governo até o fim de seu mandato, comandando o processo de sua sucessão. Na ocasião, Jackson Lago e João Castelo apareciam como os nomes mais bem avaliados nas pesquisas de opinião para enfrentar a candidata da oligarquia, a senadora Roseana, filha do oligarca-mor, o também senador José Sarney, que comandava a política maranhense desde os meados da década de 1960, quando se elegeu governador do Estado. Ambos, Lago e Castelo, eram líderes da oposição à oligarquia, o primeiro fazendo um combate ao situacionismo pela esquerda, e o segundo, pela direita.

Contudo, na avaliação de Reinaldo, num embate contra Roseana havia um grau de risco muito grande de, num quase certo segundo turno, a massa de prefeitos e chefes políticos interioranos se agregarem à candidatura oligárquica. O então governador pensou, então, no lançamento de um candidato ao governo que fosse palatável aos líderes políticos do interior, com o qual se poderia aglutinar forças contra a oligarquia desde o primeiro turno. Foi essa a gênese da candidatura de Edson Vidigal.

Vidigal estava à espera de um chamado. Deputado federal na legislatura de 1979-83, ele permaneceu em Brasília após o fim do mandato, exercendo diversos cargos na área jurídica. Em 1987, Sarney, à época presidente da República, nomeou-o ministro do Tribunal Federal de Recursos. Com a nova Constituição, o TFR foi extinto e Vidigal passou a fazer parte do recém-criado Superior Tribunal de Justiça até sua precoce aposentadoria voluntária em março de 2006. Note-se que se permanecesse na magistratura, o ministro teria condições de ficar no STJ até 2019, quando sairia pela aposentadoria compulsória. Só um chamado muito forte o faria abandonar uma carreira cada vez mais consolidada e que lhe daria oportunidade de ocupar, possivelmente, o grau máximo da carreira jurídica, como ministro do Supremo.

Foi para fazer uma visita em Brasília a esse Vidigal livre e desimpedido que o governador José Reinaldo convidou Jackson e Castelo. Na ocasião, Reinaldo comunicou aos dois interlocutores que Vidigal seria candidato a governador do Estado, no bloco vinculado ao governo estadual. Atônito, Jackson ouviu a conversa, contrariado. Conteve-se, porém.

Em São Luís, Jackson reuniu a cúpula do PDT e comunicou a conversa havida em Brasília e disse estar retirando sua candidatura a governador. Com muita luta, os dirigentes e parlamentares pedetistas conseguiram demover Jackson dessa posição. Entretanto, a tempestade só amainou quando Castelo, que também não havia gostado dos rumos da conversa na capital federal, procurou Lago e propôs-lhe uma chapa unindo PDT e PSDB (controlado por Castelo), com os dois saindo respectivamente candidatos a governador e senador. Selou-se ali uma aliança que permitiu a vitória de Jackson ao governo do Estado, mas que, também, traçou o seu destino rumo à cassação.

Naquele ano de 2006, o processo eleitoral foi dos mais tumultuados. O País vivia ainda o impacto das investigações sobre a corrupção nos Correios e que, no decorrer do tempo,  transformou-se na Ação Penal 470, conhecida como “do Mensalão”. O então presidente Lula se viu abandonado por antigos aliados, alguns dos quais, tornaram-se detratores, entre eles o à época deputado federal Roberto Jefferson, já presidente do PTB. No Senado, José Sarney, comandava uma bancada de senadores e de deputados federais do Maranhão, do Amapá e de outros Estados, tendo sido muito importante para a manutenção da estabilidade do governo Lula.

Naquele ano, a oligarquia Sarney tudo fez para impedir a dobradinha entre Jackson e Castelo. Manobrando no âmbito federal, conseguiu impedir que PDT e PSDB formalizassem uma coligação no Maranhão, chegando a se fazer a exigência de que o partido tucano tivesse uma candidatura ao governo do Estado, porque, de outra forma, a direção nacional peessedebista decidiria por uma coligação com o PMDB comandado pelo grupo Sarney. Os tucanos locais lançaram, então, a candidatura do deputado estadual Aderson Lago ao governo e garantiram a coligação informal entre PDT e PSDB. O PDT não lançou candidato ao Senado, orientando seu eleitorado a votar em Castelo.

A eleição para governador foi para o segundo turno, com a disputa entre Roseana Sarney e Jackson Lago. Vidigal foi o terceiro colocado. E Aderson ainda alcançou a quarta posição,  mesmo não sendo candidato “pra valer”. Naquele ano, foram sete os candidatos ao governo. Roseana obteve 1.282.053 votos; Jackson, 933.089; Vidigal alcançou 387.337 sufrágios; e Aderson computou 93.651 eleitores. Castelo foi derrotado por Epitácio Cafeteira no embate pela única vaga no Senado.

No segundo turno, Jackson, Vidigal e Aderson se uniram e conseguiram virar o jogo, ainda com o apoio de Castelo e do Palácio dos Leões. Jackson se elegeu com 1.393.754 votos, derrotando a candidata do sarneisismo que quase repetiu a votação anterior. Teve 1.295.880 eleitores. Na noite de 29 de outubro de 2006, houve carreatas, foguetório e comemorações variadas. José Reinaldo abriu a  casa de veraneio do governo, na Ponta do Farol, recepcionando o governador eleito e centenas de políticos.

No plano nacional, Lula conquistou naquela data seu segundo mandato, derrotando o PSDB que apresentara Geraldo Alckmin. Lula obteve 60% dos sufrágios. No Maranhão, Roseana apoiou a candidatura vitoriosa. PT e PCdoB, que se incorporaram à campanha de Vidigal, no primeiro turno, também descarregaram votos em Lula. Na outra ponta, PDT e PSDB se vincularam à campanha de Alckmin.

Derrotada nas urnas, a oligarquia não se rendeu. A vingança começou pelo já ex-governador José Reinaldo, preso na Operação Navalha, deflagrada pela Polícia Federal em maio de 2007. Dois sobrinhos de Jackson também seriam presos. As prisões tinham caráter provisório. A reação à vitória de Jackson viria  de outra forma, através de um recurso contra a expedição de diploma (RCED), que começou a tramitar pelo próprio STJ.

Atenção para o detalhe: tratava-se de um recurso, mas não havia ação inicial ao qual se interpusesse um recurso! Mesmo assim, o RCED prosperou e foi a julgamento em março de 2009, resultando na cassação de Jackson e de seu vice, Luís Carlos Porto. O TSE decidiu, também, que não caberia a realização de um novo pleito, mas a efetivação da segunda colocada, que foi considerada apta a assumir sem ter obtido metade mais um dos votos pela manobra de anular toda a votação dada a Jackson/Porto.

Mas vamos analisar o que se passou entre a eleição de Jackson e sua cassação. O governador assumiu em 1° de janeiro de 2007 e contemplou aqueles que haviam contribuído para sua vitória. A Aderson foi entregue a chefia do Gabinete Civil. Vidigal indicou sua mulher, Eurídice, para a Secretaria de Segurança. Reinaldo ficou com o controle da área de Minas e Energia. No entanto, o que era e é considerada a “jóia da coroa” ficou subordinada a João Castelo. Falo da EMAP, empresa estatual que administra o Porto do Itaqui e todo o complexo portuário da ilha de São Luís.

Para o governo federal dirigido pelo PT, a entrega da EMAP ao PSDB foi como uma declaração de guerra. Mas, agradecido ao fundamental apoio de Castelo,  Jackson foi além: declarou apoio à candidatura do aliado à Prefeitura de São Luís, em 2008. É bem verdade que o então governador deixou seus auxiliares à vontade para apoiar Castelo ou Flávio Dino. Este exercia o mandato de deputado federal e candidatou-se a prefeito de São Luís.

O que poucos sabem é que a cúpula petista ainda tentou contemporizar a situação, enviando um emissário para convencer Jackson a apoiar um candidato de seu próprio partido. O emissário chegou a conversar com o então prefeito Tadeu Palácio, que se comprometeu a submeter o assunto ao governador. O enviado não conseguiu acesso a Jackson e não se sabe se o prefeito levou ou não a tratativa ao chefe do Executivo.

O nome proposto era o do pedetista Julião Amin, que exercia o mandato de deputado federal e que já havia pertencido aos quadros do PT, nos primórdios do partido. Nessa qualidade, Julião havia ocupado a vaga de candidato a vice-prefeito de Jackson, na primeira vez que ele disputou a Prefeitura de São Luís, em 1985.

O fracasso da embaixada petista e a posterior eleição de Castelo a prefeito de São Luís fizeram com que o governo federal considerasse Jackson como adversário e o Planalto lavou as mãos em relação ao estranho RCED que cassou o mandato de Jackson Lago.

No dia 17 de abril de 2009, Roseana Sarney assumiria pela terceira vez o governo do Maranhão, na Assembleia Legislativa. A oligarquia voltava ao poder, de onde foi deslocada novamente, de forma definitiva, pelo atual governador Flávio Dino, em 2014.

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