A “elite” do bolsonarismo na Câmara Federal apostou que colocaria o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, contra a parede em audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), por ela convocada, para sabatina-lo sobre o genocídio dos ianomâmi, a visita que fez ao Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, e a ação golpista de 8 de Janeiro. Ao longo de pouco mais de quatro horas, sem alterar a voz, sendo quase didático e às vezes rebatendo ataques grosseiros, fora da pauta, com fina ironia, o ministro praticamente nocauteou a banda bolsonarista da CCJ, que tentou, sem sucesso, tirá-lo do sério com perguntas mal formuladas, repetitivas e algumas sem qualquer sentido. Flávio Dino deu uma aula de conhecimentos jurídicos, de cultura política e de civilidade, colocando-se à disposição para voltar mais vezes à CCJ.
Capitaneada pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que se esquivou de entrar no debate direto, preferindo insuflar seus aliados a tumultuarem a reunião, a tropa bolsonarista fez de tudo para criar um ambiente de tensão. E só não viabilizou seu intento porque o presidente da Comissão, o experiente e firme deputado Rui Falcão (PT-SP), impôs ordem e garantiu que a reunião prosseguisse e chegasse ao fim. Os deputados maranhenses Duarte Jr. (PSB) e Rubens Júnior (PT), tiveram forte atuação como aliados do ministro e batendo forte nos opositores irritados por não conseguirem emparedar o ministro Flávio Dino.
Nas suas respostas, todas objetivas, Flávio Dino foi preciso. No caso do genocídio dos ianomâmi, o ministro afirmou, categoricamente, que a raiz do problema está na extração criminosa de ouro, que tem por trás poderosas quadrilhas, que atuavam com o aval de poderosos da República, tendo isso ficado muito claro no período passado. Essa ação, estimulada no Governo passado, tornou crítica a situação daquele povo, que sofreu forte redução populacional e foi encontrado quase na indigência pelo Governo. Provavelmente porque não tinham argumentos para contestar as declarações do ministro da Justiça, os bolsonaristas perderam rapidamente o interesse pelo tema.
Sobre a ida do ministro ao Complexo da Maré, onde traficantes dizem ter o controle, os bolsonaristas tentaram tirar Flávio Dino do eixo com a insinuação – largamente plantada nas redes sociais de seguidores do “mito” -, de que a visita só teria sido possível mediante a concordância do tráfico. O ministro jogou toda a insinuação por terra, demonstrando a impossibilidade de negociar com bandidos, e informando, com documentos, que comunicou com antecedência de 48 horas a visita a todos os segmentos da polícia do Rio de Janeiro, e à própria Polícia Federal e à Polícia Rodoviária Federal. O esclarecimento didático do ministro acabou emparedando a banda bolsonarista.
Respondendo também objetivamente às mesmas perguntas feitas por vários bolsonaristas sobre sua atuação na tentativa de golpe no dia 8 de janeiro, foi curto e precisa em cada resposta: não recebeu nenhuma informação sobre a ameaça de quebra-quebra nas sedes dos Três Poderes, no coração de Brasília. Ao tomar conhecimento da situação, tomou todas as providências necessárias, num processo que culminou com a intervenção do Governo Federal no Governo de Brasília, por ele sugerida ao presidente Lula da Silva (PT), e na prisão dos golpistas. Deixou os bolsonaristas perdidos e irritados, mas sem argumentos e tentando tumultuar.
O fato incontestável é que a tropa bolsonarista na Câmara Federal tropeçou feio na primeira tentativa de emparedar o ministro Flávio Dino, saindo do episódio visivelmente desgastada. Primeiro porque ele não deixou pergunta sem resposta, tornou suas respostas sem espaço para questionamentos sérios. E deixou os adversários na lona ao declarar que gostou muito de ir à CCJ, sugerindo aos integrantes que o convoquem mais vezes. E declarou:
– Gostei tanto desse debate que estou à disposição para novas convocações. Se quiserem, eu virei aqui toda semana. Basta que me convoquem. Será um prazer.
Via Ribamar Corre