Elas nasceram e cresceram em São Luís, no Maranhão, e trilharam uma vida acadêmica até os 30, quando então decidiram seguir carreira na moda – caminho muito diferente da maioria das modelos, que começam nos editoriais e passarelas aos 15, 16 anos. Em sua primeira capa de revista, Yacy e Yara Sá contam sua história, falam da importância da representatividade na indústria e mostram as peças das coleções internacionais que acabam de chegar ao Brasil
As aparências enganam no caso das gêmeas Yacy e Yara Sá. Embora idênticas fisicamente, têm personalidades bem distintas. Yacy é desinibida, nutricionista por formação e se emociona ao falar da mãe; Yara é mais tímida, se dá bem em exatas e é formada em Ciências Contábeis pela Universidade Federal do Maranhão, a mesma da irmã. “Crescemos com a responsabilidade de ser a geração da família a se formar na faculdade”, explica Yara.
Filhas da agente penitenciária – e costureira nas horas vagas – Maria Santana, as duas nasceram em São Luís, capital do estado. A cerca de 200 quilômetros dali fica Viana, cidade natal de Maria, que abriga comunidades quilombolas em sua extensão. “Nosso avô materno era carroceiro e nossa avó tinha a hortinha dela em casa, e ajudava vendendo as verduras e os legumes que plantava. Minha mãe teve uma infância bem pobre. Parte da área onde nasceu e se criou é remanescente de quilombos, por isso temos características físicas tão fortes, como nossa cor e feições”, conta Yacy.
Foi quando mudou-se para a capital, já adulta e mãe de seu primeiro filho, que Maria conheceu o pai das meninas, um eletricista industrial. Casaram-se e tiveram três filhas: a irmã do meio, hoje com 35 anos, e as gêmeas, de 33. “Nosso pai não se fixava em São Luís: viajava, quando uma empresa o admitia, para o Pará, para Recife, e assim foi rodando o Brasil. Por um tempo, mandava notícias e visitava a gente nas férias, mas depois ficava mais de um ano sem vir nos ver e não ajudava financeiramente. Nossa mãe era mãe e pai também, deu duro para nos criar e dar tudo o que tivemos”, lembra Yacy.
Na infância, a rotina da mãe que trabalhava três dias da semana como costureira, as influenciou a gostar de moda. “Pra gente, aquele era o momento de estar perto dela, de fazer as coisas junto. Crescemos folheando revistas, aprendemos a cortar molde de roupa, arrematar tecido, abrir costura… Tudo para tornar o trabalho dela um pouco menos cansativo.” Daí a decidirem seguir a carreira, porém, foram muitos anos e um longo processo de autoaceitação. “Quando adolescentes, a gente via as modelos nas revistas e nos comerciais e não se identificava. Tinha a Naomi [Campbell], mas ela tem aquele padrão europeu, cabelo alisado. Não enxergávamos beleza na gente. Por isso seguimos o caminho mais seguro: estudar muito, fazer faculdade, ter um emprego formal”, explica Yara.
Em 2017, de tanto ouvirem das pessoas que deveriam ser modelos e de verem uma mudança na indústria, Yacy conta que decidiram investir na carreira e procurar uma agência – depois dos 30, o que é uma exceção muito bem-vinda no mercado. “Começamos a perceber que a moda e a beleza estavam se diversificando e pensamos: ‘será que agora vão aceitar a gente?’. Nos últimos dez anos, quando mais mulheres negras passaram a ser protagonistas nessa área, passamos a nos notar, nos achar bonitas e até usar nosso cabelo natural”, completa Yara.
A partir daí, o processo evoluiu como o da maioria das new faces: foram para São Paulo, assinaram contrato com uma agência, voltaram para São Luís para produzir material fotográfico enquanto aguardavam trabalhos e mudaram-se definitivamente para a capital paulistana no segundo semestre de 2018. No fim do ano, um presente para a mãe: estamparam o primeiro editorial de moda para uma revista, justamente aqui na Marie Claire. “Nossa mãe ia toda semana na banca perguntar se tinha chegado a revista. Ela a carregava na bolsa para cima e para baixo, mostrava para todo mundo e falava que eram as filhas dela, cheia de orgulho”, conta Yara. “A gente não tinha noção de que ainda podia realizar esse sonho, chegar aonde chegamos”, diz Yacy.