Por Natalino Salgado Filho*
A palavra medicina é originária do latim, ars medicina, que significa, literalmente, a arte de curar. Pergunto-me se ainda cabe o sentido de arte na medicina do século XXI. Na primeira metade do século, passado olhava-se o médico como alguém que detinha um saber e o exercia com arte. Os jornais dos anos 1920-30 registravam ações médicas com assombro e o exercício curativo quase como um ato sobre-humano.
À medida que os serviços de saúde se tornaram mais acessíveis a um maior número de pessoas, o aumento da tecnologia utilizada nos hospitais tornou o médico um manipulador de equipamentos sofisticados e a mudança do perfil das doenças se alterou das epidemias infeciosas para cronicidade, quase que resultante dos estilos de vida das pessoas. Por essa perspectiva, a ideia de arte médica aparentemente caiu em desuso, perdeu-se parte da admiração reverente.
A medicina moderna é fascinante, não há dúvida, desde a incrível capacidade de detectar uma infinidade de problemas de saúde, operações robotizadas e realizadas à distância. Com as vacinas, sinalizou-se para a cura em massa, além do advento da utilização de equipamentos que dão melhor qualidade de vida aos pacientes. Mas esse avanço reduziu no profissional o exercício da fraternidade. Tornou a relação mediada pela palavra e o toque humano menos frequente. E o que era forma de atendimento humanizado, ou seja, a arte da medicina, ficou obscurecido.
É como se o paradigma de todos os médicos fosse o Dr. House, da série de igual nome. Um homem obcecado apenas pela resolução de quadros de saúde enigmáticos, que ele trata como uma investigação à la Agatha Christie ou como um Sherlock Holmes. Nada estranho, neste caso, pois o autor do personagem, David Shore, alegou ter-se inspirado no famoso personagem de Athur Conan Doyle.
Resultante dessa lógica tecnicista, o indivíduo é apenas o depositário do mistério médico e, o resultado bem sucedido, é importante por si mesmo e o bem-estar do paciente é apenas um efeito colateral benéfico.
Nos últimos anos, um movimento crescente vem tomando conta da academia em diversos lugares do mundo: o resgate da arte da cura pela arte. Significa dizer a inserção de humanidades, o que inclui diversas formas de arte nas grades curriculares dos cursos de medicina. Canadá e EUA têm mais de quarenta universidades em que a arte é parte integrante da formação médica.
Há uma diferença entre um médico artista e a arte na formação profissional. O primeiro possui um talento que exerce de forma conjunta com sua prática, um hobby que certamente produz ricos benefícios para si mesmo e para os pacientes. Entre estes encontraremos músicos, escritores, atores etc.
A arte na formação médica tem o propósito de humanizar e, com isso, dar um novo olhar sobre o doente, sobre si mesmo e, por consequência, na relação do profissional com seus pacientes. Em muitos hospitais tem a experiência de, entre toda a parafernália tecnológica, incluir a arte como efeitos benéficos muráveis, para atender aos ditames científicos.
Nossas faculdades ainda estão iniciando essa experiência de colocar à disposição de discentes e docentes a necessária convivência com a arte. Esta, aliás, tem o dom de perenizar o perecível, de eternizar momentos, fatos e pessoas.
*Médico, doutor em Nefrologia, ex-reitor da UFMA, membro da ANM, da AML, da AMM, Sobrames e do IHGMA