O Plenário do Supremo Tribunal Federal formou maioria nesta quinta-feira (17/8) pela implantação obrigatória do juiz das garantias em todo o território brasileiro. Os ministros, no entanto, ainda não fixaram um prazo para que isso ocorra. Há três propostas em análise: aplicação em até um ano, 18 meses ou 36 meses.
Prevaleceu a divergência aberta pelo ministro Dias Toffoli. Ele foi acompanhado pelos ministros Cristiano Zanin, André Mendonça, Alexandre de Moraes, Kassio Nunes Marques e Edson Fachin. O relator da matéria, ministro Luiz Fux, entendeu que cada tribunal pode optar por criar ou não a figura do juiz das garantias.
Votaram na sessão desta quinta-feira os ministros Alexandre (que havia iniciado o voto na sessão anterior), Nunes Marques e Fachin. Este último não concluiu o voto até a publicação desta reportagem, mas já afirmou que segue Toffoli quanto à implantação obrigatória.
Em seu voto, Alexandre disse não achar que o instituto seja uma espécie de “salvador da pátria”, mas que trata-se de uma opção válida.
“Não acho o juiz das garantias o salvador da pátria, nem justo dizer que ele vem para garantir a imparcialidade dos julgamentos, como se já não houvesse imparcialidade. É um modelo que o legislador adotou e é uma opção válida, até porque vários países adotaram fórmulas semelhantes”, disse Alexandre.
Ele propôs que a implantação ocorra em até 18 meses. Toffoli, acompanhado por Zanin, Mendonça e Fachin, votou pela implantação em 12 meses, com a possibilidade de uma única prorrogação por igual período. Já Nunes Marques propôs a implantação em até 36 meses.
“Com base na experiência que tive com a administração da Justiça Federal da 1ª Região, parece absolutamente implausível a hipótese de aumento zero de custos para implantar o juiz das garantias. Dificilmente tais despesas figurarão no orçamento dos estados no ano que vem. Com isso, só na lei orçamentária votada em 2024 é que se poderá incluir tais despesas, para que sejam executadas a partir de 2025”, disse Nunes Marques, ao justificar sua escolha pelo prazo de 36 meses.
“Não podemos esquecer que a implantação do juizado de garantias será a maior mudança no processo penal brasileiro desde o advento do Código de Processo Penal de 1941. Muitas questões práticas poderão surgir, algumas sequer antevistas neste momento”, prosseguiu ele.
O tribunal também formou maioria em torno de outros pontos envolvendo a lei “anticrime” (Lei 13.964/2019). Os ministros entenderam, por exemplo, que a competência do juiz das garantias acaba no oferecimento, e não na recepção da denúncia, ao contrário do que foi estabelecido na norma analisada.
O Supremo também tem maioria pela necessidade de o Ministério Público informar o juiz competente sobre a existência de todo tipo de investigação criminal e pelo entendimento de que o juiz das garantias deve atuar junto à Justiça Eleitoral.
Os magistrados também entenderam pela inconstitucionalidade da previsão segundo a qual em comarcas com apenas um juiz, os tribunais deverão criar um sistema de rodízio entre magistrados, para que juízes que atuam na fase pré-processual não atuem no julgamento, e vice-versa. Para os ministros, o trecho viola o poder de auto-organização dos tribunais.
Ao criar o mecanismo, a lei “anticrime” buscou reduzir o risco de parcialidade nos julgamentos. Com a medida, o juiz das garantias fica responsável pela fase investigatória.
Entre as suas atribuições está decidir sobre o requerimento de prisão provisória ou outra medida cautelar e sobre a homologação de acordo de colaboração premiada.
Prorrogação justificada
Ao propor o prazo de 12 meses para a implantação da novidade, a contar da data de publicação da ata do julgamento, e conforme diretrizes do Conselho Nacional de Justiça, Toffoli afirmou que a possibilidade de prorrogação depende de haver justificativa por parte dos tribunais e que ela seja aceita pelo CNJ.
“A instituição do juiz das garantias veio a reforçar o modelo de processo penal preconizado pela Constituição de 1988. A nova ordem passou a exigir que o processo não fosse mais conduzido prioritariamente como veículo de aplicação da sanção penal, mas que se transformasse em instrumento de garantias do indivíduo em face do Estado”, disse o ministro.
“Mostra-se formalmente legítima, sob a ótica constitucional, a opção do legislador por instituir no sistema processual penal brasileiro a figura do juiz das garantias. Trata-se de uma legítima opção feita pelo Congresso Nacional no exercício de sua liberdade de conformação, que, sancionada pelo presidente da República, de modo algum afeta o necessário combate à criminalidade.”
Toffoli também destacou que o juiz das garantias deve ser informado pelo Ministério Público sobre toda e qualquer investigação, independentemente da denominação interna do órgão ministerial para as apurações.
Diferentemente do que foi definido na lei “anticrime”, Toffoli entende que a atuação do juiz das garantias se encerra com o oferecimento da denúncia. Segundo o texto aprovado pelo Congresso, esse magistrado é quem decide pelo recebimento ou não das denúncias.
“Tornar o juiz das garantias competente para receber a denúncia, sob o pretexto de proteger o juiz do julgamento de eventual influência das peças inquisitoriais, gera incongruências insanáveis, além de violar a independência funcional, que assegura ao magistrado liberdade para valorar a prova, segundo o livre convencimento motivado, em busca da verdade material.”
Relator atrás
O caso começou a ser analisado pelo Plenário do Supremo em 22 de junho, antes do recesso, portanto. A conclusão do voto do relator, no entanto, só ocorreu no dia 28 daquele mês. Na ocasião, Fux se manifestou pela inconstitucionalidade do juiz das garantias.
Para ele, o modelo presume, sem base empírica, a parcialidade do magistrado que atuou durante a investigação para julgar a ação penal. Dessa maneira, viola o princípio da proporcionalidade. Além disso, o mecanismo interfere na estrutura do Judiciário e sua criação só poderia ter sido proposta por tal poder.
Sob o prisma formal, o ministro afirmou que a criação do mecanismo violou o pacto federativo. Segundo ele, o inquérito tem natureza jurídica de procedimento, não de processo penal. Assim, é matéria de competência concorrente da União e dos estados, conforme o artigo 24, XI, da Constituição Federal.
Ao regular extensivamente a aplicação do instituto, diz o ministro, a lei “anticrime” invadiu a competência dos estados para dispor sobre suas Justiças, sem atenção às diferenças regionais e de tecnologia.
O magistrado também entendeu que a norma desrespeitou a reserva de iniciativa do Judiciário para dispor sobre a competência e o funcionamento dos órgãos jurisdicionais e a criação de novas varas (artigo 96, I, “a” e “d”, da Constituição).
Tal regra busca proteger o princípio da separação dos poderes, ressaltou Fux. Com esse fundamento, mencionou ele, o STF barrou a Emenda Constitucional 73/2013, que criava quatro Tribunais Regionais Federais.
ADIs 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305