Debate inaugural não produzirá virada de votos

Nenhum dos quatro principais presidenciáveis —Bolsonaro, Marina, Ciro e Alckmin— protagonizou nada parecido com um tropeço no primeiro debate presidencial de 2018. Por isso, é improvável que o evento resulte numa virada de votos. Serviu apenas para consolidar posições. O canibalismo esteve no limite do aceitável. Os contendores se deram conta de que, a essa altura, a plateia quer mais soluções do que sangue.

O debate escancarou uma peculiaridade da atual campanha: todos desejam encarnar a mudança. A temática foi ditada pela rua, de baixo para cima. Incluiu uma agenda tão óbvia quanto urgente —do desemprego à roubalheira, passando pela ruína fiscal e a precariedade dos serviços públicos.

A má notícia é que os oito debatedores inundaram o estúdio da TV Bandeirantes com ideias que não deram água para alcançar a canela —em parte por conta do engessamento das regras, em parte pela aridez das propostas. Seja como for, a esperança que os candidatos foram capazes de inspirar nas três horas e doze minutos em que estiveram no ar cabe numa caixa de fósforos.

A noite produziu duas vítimas: Michel Temer e Lula, ambos ausentes. O primeiro apanhou indefeso. O segundo foi ignorado. Temer não contou nem com a solidariedade do seu ex-ministro Henrique Meirelles. O presidenciável cenográfico do PT teve um consolo.

O condenado mais ilustre da Lava Jato assistiu pelo televisor instalado em sua cela especial à saudação do companheiro Boulos, do PSOL: “Boa noite, presidente Lula. Deveria estar aqui. Mas está preso injustamente em Curitiba, enquanto o Temer está solto lá em Brasília”.

Bolsonaro apresentou-se em versão ligth. Não explodiu nem mesmo quando Boulos, no comecinho do debate, dirigiu-lhe uma pergunta dura de roer, com prefácio desairoso: “O Brasil todo sabe que você é racista, machista, homofóbico”, disse o rival do PSOL.

Boulos prosseguiu: “Você, em 27 anos como deputado, ficou dez anos no partido do Paulo Maluf, recebeu auxílio moradia tendo casa, comprou cinco imóveis, fez da política um negócio em família, tem um monte de filhos no mesmo esquema que você.” Sapecou: “Quem é a Wal, Bolsonaro?”

E o capitão, contendo-se dentro dos sapatos: “Eu pensei que viesse discutir política nacional aqui.” Bolsonaro negou que Walderice, a Wal, seja funcionária fantasma em Angra dos Reis. Estava em férias quando a reportagem da Folha a procurou, disse. “No tocante a patrimônio, o Ministério Público já revirou minha vida de perna para o ar.” Os filhos? “Tenho moral para indicar e o povo vota neles.”

Para não ser acusado de ter virado um ex-Bolsonaro, devolveu a provocação. Expressando-se num idioma muito parecido com o português, afirmou: “Me orgulho da minha honestidade e não dos atos de invadir propriedade privada dos outros, que trabalhou e suou muito para conseguir aquele patrimônio. E vai uns desocupados invadir e levar terror na cidade.”

Líder do movimento dos sem teto, Boulos não se deu por achado: “A Wal é funcionária fantasma do gabinete dele. Junto com o marido dela, Edenilson, tem a responsabilidade de cuidar dos cachorros do Bolsonaro numa das casas dele em Angra dos Reis. O problema não é a Wal. Ela é vítima de políticos como o Bolsonaro, que vendem essa ideia de que vão acabar com a bandalheira e é (sic) farinha do mesmo saco. Bolsonaro representa a velha política corrupta… Recebeu auxílio moradia tendo casa. Você não tem vergonha?”

Sem elevar o timbre de voz, Bolsonaro encurtou a conversa: “Teria vergonha se estivesse invadindo casa dos outros. Auxílio moradia está previsto em lei. Se é imoral, é outra história. Não vim aqui para bater boca com um cidadão desqualificado como esse aí”, encerrou, devolvendo a palavra ao mediador do debate antes do encerramento do tempo a que tinha direito para a tréplica.

Depois desse teste de nervos, Bolsonaro fez o que se esperava dele: pregou para convertidos. Em meio a respostas superficiais, encaixou a retórica que lhe rende votos. Coisas como a liberação das armas, restrição aos direitos humanos de bandidos, castração química de estupradores e disseminação escolas militares pelo país… Tudo isso, mais o fim do fisiologismo. “O único que tem moral para cumprir essa missão é Jair Bolsonaro”, declarou.

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